Servos de Deus ou de Mamom?

 




SERVOS DE DEUS OU DE MAMOM?

Certo dia o Senhor Jesus foi interpelado por um jovem que queria saber o que poderia fazer para ser salvo. Como não poderia ser diferente, Jesus diz que, antes de tudo, ele deveria observar as Escrituras. E com a resposta positiva do jovem, que desde a sua infância observava os mandamentos, o Mestre diz que lhe faltava apenas uma coisa.

E quando Jesus ouviu isto, disse-lhe: Ainda te falta uma coisa; vende tudo quanto tens, reparte-o pelos pobres, e terás um tesouro no céu; vem, e segue-me. (Lucas 18:22)

E o jovem foi-se, cabisbaixo, por que não queria se desfazer de suas muitas posses.

Essa é uma história bíblica que tem sido pregada durante os séculos como um exemplo de como as nossas prioridades podem estar distorcidas de tal forma que as pessoas preferem o dinheiro à salvação. Mas, infelizmente, essa história se repete todos os dias com uma intensidade crescente.

O poder que o dinheiro exerce sobre algumas pessoas tem uma relevância tão grande que Jesus o chamou de Mamom.

Mamom era uma palavra aramaica que estava associada freqüentemente à riqueza material e à ganância. E possivelmente Ele usou esse nome para mostrar que o amor ao dinheiro pode tornar-se uma entidade que tenta tomar o lugar do Senhor nos corações dos homens.

Mamom é a personificação da busca por satisfazer o sentimento consumista que nunca será preenchido. Com Mamom, quanto mais tem, mais se quer. No seu culto está incluída a ganância, o egoísmo e a negligência aos verdadeiros valores espirituais. Mamom fomenta no coração de seus servos a esperança de alcançar a felicidade plena por meio do acúmulo de bens. Mas Paulo disse que os servos de Mamom são traspassados por muitas dores e estão fadados a perdição e ruína (1ª Timóteo 6:9,10).

Mas, quem não quer ter um pouco mais de dinheiro para viver de forma confortável? Querer viver bem é muito natural, e qualquer pessoa adulta, com suas faculdades mentais em perfeito estado, quererá ter recursos que lhe proporcione algum conforto. A verdade é que não temos como viver sem dinheiro.

Corroborando com isso, a Bíblia diz que o dinheiro em si não é mal, mas sim, o amor a ele. (1ª Timóteo 6:10). Sem falar que alguns dos personagens bíblicos foram muito ricos e possuíam muitas posses. Por exemplo, Jó era o homem mais rico do oriente, e isso não foi um impedimento para que Deus dissesse que ele era “íntegro e reto” (Jó 2:3). Da mesma forma, Abraão e seu sobrinho Ló tinham tantas posses que não puderam morar juntos, pois a terra não suportaria os seus rebanhos (Gênesis 13:6).

Com isso podemos ver que o dinheiro em si não é mal. Na verdade ele não é nem bom nem mal. O mal está na forma como o encaramos e os meios que empregamos para obtê-lo. É como diziam os antigos: “O dinheiro é um maravilhoso servo, mas é um péssimo senhor”. E para corroborar com isso, em duas oportunidades o apóstolo Paulo disse que todo avarento é idólatra (Colossenses 3:5; Efésios 5:5). E assim voltamos ao motivo de Jesus ter chamado o dinheiro de Mamom, pois ele pode tornar-se um deus para aqueles que o adoram.

Poder-se-ia pensar que o dinheiro se torna Mamom apenas para os incrédulos, que naturalmente amam o dinheiro e empregam meios escusos para adquiri-lo. Mas a cada dia vemos que essa realidade também pode ser aplicada aos cristãos. Acontece que, por volta dos anos 1960 uma nova perspectiva teológica surgiu, preconizada por nomes como William Essek Kenyon, Kathelen Kulman, T.L. Osbourne, Kenneth Copland e alguns outros. Essa nova forma de interpretar a teologia trouxe o ensinamento de que todos os cristãos tem que ser abençoados materialmente. E essa nova mensagem encontrou guarida nos corações de pessoas que não tinham profundidade Bíblica e que buscavam as benesses das riquezas e da saúde plena.

Posteriormente surgiram muitos outros nomes que contribuíram para a popularidade dessa teologia e, por causa disso, hoje degustamos o fruto amargo da Teologia da Prosperidade, que tem se infiltrado em todas as alas da igreja, infectando até os mais conservadores. E dessa forma, os proponentes dessa teologia equivocada conseguiram transformar aqueles que eram verdadeiros servos de Deus em servos do deus Mamom.

Isso mostra que nos encontramos no centro da batalha entre duas opções: Servir a Deus ou a Mamom. Isso por que, depois que a teologia da prosperidade teve seu ímpeto no ceio da igreja, a grande maioria dos cristãos considera que a maior expressão da bênção de Deus na vida do homem é a prosperidade financeira e a saúde física. E quem destoa desse quadro, no mínimo, não tem fé e no máximo, está sob a maldição de Deus.

Mas, será mesmo que Jesus morreu na cruz para que tivéssemos riquezas? Os que querem servir a Deus piedosamente sabem que não. Porém, eles se questionam sobre essa dicotomia entre o consumismo e o servir a Deus. E esse terreno é tremendamente perigoso, pois, se quisermos seguir a maioria, penderemos para os apelos do materialismo, coisa que nos tirará do foco de nossa devoção espiritual e corromperá a própria essência de nosso ser. Mas, se por outro lado, permanecermos na visão ortodoxa, desfrutaremos da reprovação do populacho, que achará que somos medíocres e que, em última análise, não temos fé para prosperar. E disso brotará um sentimento de que talvez estejamos errados e por isso, estejamos perdendo alguma coisa. Então, o que fazer?

Meu objetivo neste texto é o de analisar, de forma coerente e bíblica, as tentações e conseqüências do materialismo implementado no meio cristão pela teologia da prosperidade, e também o de perscrutar a verdadeira vida com Deus, cultivada por aqueles que, em muitos casos, não foram contemplados com as benesses dessa vida. Também tentarei, por meio das verdades bíblicas, discutir sobre os passos práticos para superar a influência de Mamom e as recompensas de servir a Deus acima de tudo.

Mas, antes de mais nada, já que me propus a falar sobre servir a Deus ou a Mamom, devemos entender qual o conceito verdadeiro sobre servidão.

Servidão, em sua forma mais verdadeira, é o ato de dedicar-se a um propósito superior, submeter-se a uma autoridade maior e/ou priorizar o bem-estar dos outros. De certa forma, todos estamos debaixo de uma servidão, pois servimos à nossa família, às empresas em que trabalhamos e até as pessoas com que nos relacionamos.

Mas a servidão tem diversos níveis. E é aí onde reside todo o problema. Servir a família na posição em que estamos, tipo, como filho (sendo obediente, cooperativo) ou como pai (como provedor, doutrinador, exemplo), é uma coisa. Mas quando chegamos ao extremo de cometer um crime por nossa família, a servidão passou para outro nível. De outra forma, se por causa de uma posição superior, alguém nos faça ser seu serviçal, esse tipo de servidão é prejudicial. E isso se aplica a todas as coisas em que a servidão está incluída.

No caso em que as pessoas se tornam servos de Mamom, elas reconhecem sua autoridade sobre suas vidas e se comprometem a viver de forma a adquirir tudo o que essa entidade voraz deseja.

E na sociedade atual, orientada principalmente para o consumo, essa mentalidade se infiltra sorrateiramente na vida das pessoas, mesmo que elas não percebam. Isso inicia-se de forma muito sutil, por exemplo, como com a inocente busca por novos aparelhos eletrônicos, roupas da moda ou outra das benesses que o consumismo proporciona, coisas que, a princípio, não tem qualquer malefício. Mas, quando essa busca se aprofunda intensamente, acaba fazendo com que as pessoas vivam em função disso. Ou, ainda mais incisivamente, faz com que elas busquem adquirir recursos que possibilitem sua aquisição, mesmo que isso implique em usar de meios escusos.

E é aí onde entra os famosos proponentes da teologia da prosperidade. Com seus discursos empresariais e rituais para obter de Deus as coisas que se almeja, eles fundiram o consumismo e o cristianismo. E suas promessas de uma vida regalada encontraram um povo fragilizado e quase totalmente analfabetos bíblicos, ou seja, um solo fértil para o seu evangelho distorcido.

Mas será que se fossemos uma dessas pessoas incautas, também não acederíamos a mensagem do evangelho da prosperidade? Como não acreditaríamos na promessa de uma vida luxuosa e saudável, sem precisar empreender qualquer esforço? Pois para essa teologia, basta o ato de “investir” dinheiro nas suas campanhas e correntes para que as riquezas surjam como um passe de mágica. E para atrair mais pessoas, eles ousadamente fixam nas fachadas de suas igrejas uma das maiores mentiras do meio Cristão, o “pare de sofrer”, que choca-se frontalmente com João 16:33. E é assim que multidões são atraídas para suas garras, não para adorar ao Deus Todo-Poderoso, mas para obter d’Ele saúde e prosperidade financeira.

Mas não pensemos que todos os pregadores e pastores da prosperidade são pessoas mal intencionadas. Muitos deles também são produto dessa teologia distorcida em que foram discipulados. Entretanto, mesmo sendo fruto desse meio, eles são inescusáveis, pois eles têm o dever de analisar se o cerne teológico desse movimento encontra eco nas Escrituras.

E assim, o quadro está montado. Por um lado temos pessoas que afluem para as igrejas neo pentecostais para depositarem seus esquálidos recursos aos pés dos “camelôs da fé”, na certeza de que receberão as graças temporais que almejam. Essas pessoas são ensinadas a terem fé na fé, e não fé em Deus. Isto é, elas tem a falsa fé de que os sacrifícios financeiros feitos nas correntes, campanhas, fogueiras e etc, obriga Deus a conceder-lhes seus pedidos.

Por outro lado, temos os espertalhões engravatados, ávidos por espoliar pessoas incautas, com promessas mentirosas e com uma pseudo autoridade que Mamom lhes dá. Esses falsos profetas enganam o povo ensinando que se sacrificarem tudo o que tiverem, receberão em dobro. E as campanhas e correntes que fazem são verdadeiros certificados de idiotice, concedidos para as pessoas que lhes seguem. São rituais esdrúxulos, que só encontram amparo bíblico por meio de uma distorção monstruosa do texto santo.

Diante de tudo o que expus até aqui, eu estaria sendo totalmente negligente se também não apontasse o verdadeiro caminho que as Escrituras nos mostra.

Em primeiro lugar, devemos discernir a guerra constante entre o materialismo e a vida com Deus. O materialismo, amplamente incentivado na sociedade hodierna, tenta nos seduzir com promessas de uma vida luxuosa e regalada. Já a vida piedosa nos chama para buscar um significado mais elevado.

Em um mundo onde o consumismo ocupa o centro do palco, ter uma vida desapegada as coisas materiais e alinhada com a vontade de Deus parece ser uma coisa desnecessária e irreal. Mas, no fim das contas, é o projeto mais importante que se possa ter. E para isso, temos que renunciar as nossas ambições e deixar que Deus nos guie por esse caminho.

E, a despeito do que pregam os falsos profetas neo pentecostais, Deus nunca prometeu que teríamos tudo o que quiséssemos. Pelo contrário, Ele nos advertiu que encontraríamos diversos problemas no curso de nossa vida (João 16:33). Ele disse também que o caminho seria dificultoso (Mateus 7:13,14) e que seríamos perseguidos e odiados (Mateus 24:9). Entretanto, Ele nos garante que suprirá todas as nossas necessidades mediante a priorização do Reino de Deus (Mateus 6:33), além de que estará conosco, mesmo nos momentos mais escuros de nossa vida (Salmo 23:4).

A verdadeira vida com Deus implica em termos a confiança de que mesmo em meio a muitas dificuldades e tribulações, Ele está conosco aplainando o nosso caminho (Provérbios 3:6). Sobretudo, servir a Deus implica em estarmos satisfeitos com o que temos. (1ª Timóteo 6:8). Isso é a essência de ser “pobre de espírito”, uma das bem-aventuranças faladas por Jesus.

Ser pobre indica que se tem pouco. E por isso, quando se recebe qualquer coisa, fica-se satisfeito. Assim é também com os “Pobres de espírito”, que já que tem consciência de sua situação, estão sempre satisfeitos por tudo o que têm. Isso choca-se com o conceito de bênçãos temporais que temos tratado aqui.

Ser servo de Deus, portanto, acarreta também no contentamento em todas as circunstâncias (Filipenses 4:11,12).

Dessa forma aprendemos que a alegria e paz verdadeiras não procedem das circunstâncias e muito menos das posses, mas sim da comunhão com Deus, que está no controle de todas as coisas e sabe o que é melhor para nós.

E por fim, ser servo de Deus implica em viver a generosidade.

A busca pelos bens materiais, via de regra, gera nas pessoas o egoísmo, mas ser servo de Deus faz fluir de nós a liberalidade. Quem serve a Deus tem prazer em ser generoso (Atos 20:35). Inclusive, as Escrituras nos mostram que Deus quer que façamos boas obras, ainda que elas não tenham o poder de salvar. (Efésios 2:10)

Para concluir, devo dizer que não estou advogando que os servos de Deus não possam viver regaladamente. No início desse texto falei que existem personagens bíblicos que eram abastados. Mas, o que estou dizendo é que o consumismo que é insuflado no povo de Deus por aqueles que deveriam ser seus guias, tira o foco do verdadeiro Evangelho e torna as pessoas servas de Mamom, uma entidade voraz que consome a alma, causa divisões e domina totalmente.

Quando Jesus colocou a questão do desapego aos bens materiais para o jovem rico que citei no início do texto, Ele não estava indicando que o fato de possuir riquezas é mal, mas sim, que o mal está em colocar nelas a confiança.

Portanto, que possamos viver o verdadeiro Evangelho que foi vivido pelo Senhor Jesus, que em seu ministério terreno teve recursos suficientes para sustentar seus discípulos, ajudar os pobres e ainda sobrava para que Judas se apropriasse de valores (João 12:6), mas mesmo assim, disse que não tinha onde reclinar a sua cabeça (Lucas 9:58).

Pastor Ricardo Castro
Igreja Bíblica Vida Eterna (IBVE)

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