O GRITO DA ALMA NO SILÊNCIO DO DESERTO
Fico maravilhado com o poder de Deus para restaurar o que foi destruído. Muitas vezes, o agir de Deus, que geralmente não entendemos, transforma os desertos da vida em uma incubadora para uma nova história.
Tenho certeza de que, em algum momento da sua vida, você tenha se sentido como se estivesse em um deserto pela exclusão dos outros. E se ainda não se sentiu assim, desculpe-me, mas terei que te confrontar com a realidade de que algum dia será.
Entretanto, devo dizer também que numa situação como essa não estaremos sozinhos. Deus está conosco no deserto e o transformará em uma fonte de bênçãos.
Assim aconteceu com Hagar, a serva de Sara, mulher de Abraão. Hagar foi uma mulher marcada pela dor da exclusão e da fuga. Mas Deus estava com ela e restaurou a sua sorte.
Hagar começou a sua vida com uma serva, e portanto, era uma sombra, quase invisível na casa de Abraão. Ela só passou a “existir” para seus senhores quando foi lançada no meio de uma situação na qual não pediu para se envolver. Como sua senhora Sara não podia dar filhos a a Abraão, a tornou uma “barriga de aluguel”.
Mas, não sabendo lidar com a situação, achando-se grávida, pensou que estaria em uma posição intocável. Ledo engano. Por culpa sua, ela foi humilhada e rejeitada, já que passou a desprezar sua patroa que não podia gerar filhos.
Seu erro a fez fugir para não sofrer ainda mais. E podemos nos identificar perfeitamente com ela, quando nós também queremos fugir das situações que esmagam a nossa alma.
Hagar fugiu grávida. Como isso deve ter sido difícil! Ela fugiu humilhada, assustada e ferida na alma.
Mas Deus, por meio de seu anjo, teve um encontro com ela naquela situação difícil. E então o deserto tornou-se uma experiência sem igual, que a levou a ser a primeira pessoa na história a atribuir ao nome de Deus uma experiência pessoal: “Tu és Jeová El-Roí, o Deus que me vê” (confira Gênesis 16:13).
Por ter ela parte da culpa pela situação em que estava , Deus ordena que ela retorne à casa de seus patrões. O Senhor assim fez para restaurar a ordem e para que seu propósito de que o filho ilegítimo de Abraão, ainda que não fosse o filho da promessa, também se tornasse uma poderosa nação.
Anos se passam, quando Ismael já era um adolescente e Isaque, o filho da promessa, estava sendo desmamado. Foi quando veio outra grande crise para Hagar. Seguindo o exemplo de sua mãe, Ismael zombou de Isaque. E isso nos mostra o quão importante é darmos o exemplo certo para os nossos filhos.
Por causa disso, Sara reclama para Abraão que não vê outra alternativa a não ser expulsar Hagar para o deserto. Sara queria apagar a existência daquela mulher da sua vida.
Da primeira vez, Hagar fugiu para o deserto. Mas dessa vez o deserto foi uma sentença. E era uma sentença de morte porque uma mulher sozinha acompanhada de um adolescente não sobreviveria muito tempo às agruras da terra árida.
Sem água, sem comida, sem abrigo e sem esperança, Hagar chora, vendo diante de si somente o quadro nefasto de sua extinção. E para não ver seu filho amado morrendo, ela o deixa a dada distância. E o texto sagrado diz que ele também chorava. Mas, mais uma vez, Deus a vê.
O Senhor restaurou as promessas na vida de seu filho e abriu seus olhos para ver o poço que estava perto. As lutas e as lágrimas às vezes turvam nossos olhos de tal forma que não vemos que a solução está tão perto.
Na segunda vez, contudo, Deus não a envia de volta, mas lhe dá insumos para viver na terra de sua peregrinação. Hagar se reinventa:
“Habitou no deserto de Parã, e sua mãe tomou-lhe uma mulher da terra do Egito.” (Gênesis 21.21).
Agora, Hagar não seria mais “invisível”. Não seria mais uma peça manipulável no jogo da vida alheia. Ela permanece no deserto, o lugar onde o silêncio se transforma em revelação, e o abandono em companhia divina. O lugar onde o Senhor mudou totalmente a sua vida, pois não viveria mais na condição de uma serva. Ela era livre no deserto.
No deserto, ela cria o seu filho. Ela o prepara para viver naquela terra esquecida. Ela o ensina a lidar com o arco, o qual é o símbolo da luta, da sobrevivência e da resiliência. Ela casou o seu filho que havia recebido uma sentença de morte como ela. Que alegria para uma mãe ver seu filho realizar-se na vida e seguir o seu rumo!
Hagar representa as pessoas de alma ferida, daqueles que são rejeitados, expulsos e cancelados. Mas ela representa também aqueles que no deserto se reinventam, se reconciliam consigo mesmo e encontram um novo propósito de vida em Deus.
Com Deus, o deserto se transforma em um espaço de liberdade. Às vezes somos exilados para o deserto, mas isso torna-se uma experiência positiva, pois se afastar de quem nos rejeitou é cura para nossa alma. A experiência do deserto nos deixa mais fortes, já que temos que enfrentar as suas agruras e aprender a lutar usando arco para sobreviver. E às vezes é no deserto que encontramos a pessoa certa, como Ismael, que casou e formou família. Portanto, o deserto é um lugar de risco, mas também de redenção e cura, tanto quanto de aprendizado e encontro. Com Deus, o deserto é o lugar da graça escondida, porque Deus é o Jeová El-Roí, o Deus que vê e que provê, o Jeová Jiré.
A história de Hagar levanta para nós questões importantíssimas. O que temos feito com os desertos para os quais fomos exilados? Temos nos rendido ou aprendido a arte de sobreviver com o arco? Temos reconhecido que o “Deus que me vê” tem também nos preparado para o deserto?
No fim das contas, Hagar nos ensina que, mesmo que as pessoas queiram apagar a nossa história, Deus sempre costurará um novo começo com as linhas da graça. Porque é no deserto para onde nos exilaram que Deus reescreve recomeços inesquecíveis.
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