QUAL O SEU CONTEÚDO?
No passado, existiram homens e mulheres que realizaram grandes feitos no campo da medicina, política, tecnologia, filantropia e, como não poderia deixar de ser, na religião. Até a década de 1970, as pessoas eram lembradas tanto por suas realizações quanto por sua conduta e caráter ilibados. Por causa disso, essa época ficou conhecida como a “Era do Caráter”. Naqueles dias, as celebridades eram reverenciadas, antes de tudo, pela força do seu caráter, independentemente de sua aparência.
Então vieram os anos 1980, a década do excesso. E foi quando tudo mudou, pois migrou-se da era do caráter para a “Era da Personalidade”. Desde então, as pessoas passaram a ser reverenciadas pelo que apresentam, não pelo seu caráter — algo que as redes sociais potencializaram ao extremo.
As redes sociais são verdadeiras vitrines onde as pessoas satisfazem sua fome por visibilidade sem, contudo, alimentar o seu caráter. Poderíamos chamar os nossos dias também de “Era da Imagem”, onde se presa muito mais os likes do que o conteúdo real.
Em contrapartida, a Bíblia mostra que a nossa imagem não impressiona o Senhor.
Contudo, essa ênfase na aparência não é nova, mas já existia nos tempos bíblicos. Por exemplo, podemos ver isso quando o profeta Samuel viu Eliabe, o irmão mais velho de Davi, e julgou que, por sua aparência, ele teria as prerrogativas para ser o rei de Israel. Mas Deus o reprovou, pois Ele vê diferente de como os homens veem. O Senhor havia escolhido Davi, o menor e mais improvável dos filhos de Jessé, para ser o rei do seu povo.
Numa geração onde a aparência se interpõe como a verdade e o exterior suplanta a essência, devemos entender que Deus preza o nosso conteúdo independente de nossa imagem. O Senhor não se impressiona com a demão de verniz que usamos para maquiar o nosso verdadeiro estado da alma. Ele não se interessa pelos sorrisos falsos e pelas roupas de marcas famosas. Como Aquele que tudo vê, Ele se interessa pelo que está escondido no nosso eu interior.
Diante disso, devemos nos perguntar o que está por trás das máscaras que usamos para impressionar as pessoas.
A Bíblia emprega diversas figuras de linguagem para nos distinguir, mas uma das mais pujantes é a do “Vaso de barro”.
Temos, porém, este tesouro em vasos de barro, para que a excelência do poder seja de Deus e não de nós. (2ª Coríntios 4:7).
Antes de tudo, o objetivo de Paulo ao escrever essas palavras foi de ressaltar nossa fragilidade, porque fomos feitos do pó da terra. E como tal, somos frágeis e efêmeros. Os homens se acham fortes, inquebrantáveis e invencíveis, mas basta uma minúscula bactéria para destruí-lo, independentemente de quão bonito seja o seu exterior.
Um dos maiores conquistadores que o mundo já viu foi o grego Alexandre, o grande. Ele conquistou muitos reinos, expandindo seu império a fronteiras longínquas. Mas uma pequena bactéria, Salmonella typhi, o matou. Realmente somos o pó da terra. Somos quebrantáveis como verdadeiros vasos de barro.
Os vasos de barro dos dias de Paulo eram produzidos sem muito requinte. Eles não eram feitos para decorar, mas para comportar algo no seu interior.
Nós, como vasos, somos simples, quebrantáveis e imperfeitos, mas não somos desprezíveis. Isso porque comportamos um tesouro inestimável, a despeito de nossa fragilidade.
Mas, nos dias de Paulo, também havia os vasos de porcelana. Eles eram produzidos apenas para embelezar os ambientes. E quando não estavam cheios de futilidades, estavam vazios. E muitos hoje são exatamente assim. São bonitos por fora, sarados, malhados, banhados com as mais famosas grifes e alterados por cirurgias. Mas são vazios de conteúdo. Quando os vemos nas vitrines das redes sociais, seus posts são os mais belos e suas vidas as mais felizes e empolgantes.
Mas bastam alguns minutos em sua presença para notarmos o vazio gritante de suas almas e a futilidade imensa de suas vidas.
Infelizmente, a situação não é diferente no meio cristão. Para muitos, o que vale é a aparência, o que se apresenta, as conquistas, o status, as roupas e coisas como essas. Por causa disso, convencionou-se chamar de “abençoados” aqueles que adquirem veículos importados, moram em mansões à beira-mar e que visitam os lugares mais caros, independentemente se eles realmente são cristãos, na estrita concepção desta palavra. As pessoas não querem saber se essas “conquistas” foram adquiridas de forma ilícita, ou se o viver familiar é sadio, ou se eles expressam o caráter de Cristo. Desde que ostentem suas conquistas, eles são considerados “abençoados”.
Por outro lado, existem aqueles que ostentam não conquistas materiais, mas sim uma pirotecnia espiritual que é um verdadeiro canto da sereia para nossa geração.
E dessa forma, abundam nas redes sociais os chamados profetas do Pix. Pessoas totalmente desprovidas de conhecimento bíblico e sem vida com Deus, mas que arrogam uma espiritualidade tal que daria inveja até na sacerdotisa Pítia do oráculo de Delfos.
Nesse caso também percebemos mais uma vez que, para muitos, o que importa é a imagem e não o caráter. E é por isso que é comum vermos muitos desses “pais de santo” gospel sendo flagrados em pecados hediondos, mas continuam dando seus “shows proféticos” nos púlpitos.
Esse culto à imagem de nossos dias tem como fruto a corrida para se equiparar àqueles que estão em evidência. E por isso, a busca principal de hoje é por visibilidade e não por cultivar um caráter cristão verdadeiro.
Diante desse quadro, não podemos esquecer que Jesus nos alertou que, em primeiro lugar, nos últimos dias, os falsos profetas abundariam (Mateus 24.11). E, em segundo lugar, Ele nos ensinou como poderíamos reconhecê-los observando os seus frutos (Mateus 7.20). Logo, entendemos que o Mestre não quer que nos pautemos pelas aparências, mas sim pelo verdadeiro conteúdo.
Qual o seu conteúdo, vaso?
A pior coisa que pode nos acontecer é estarmos nos enganando. Isto é, por termos o nosso exterior religioso envernizado e lustrado, acharmos que estamos agradando a Deus, quando na realidade, estamos cheios de futilidades ou totalmente vazios.
Há muitos anos, trabalhei em uma assessoria jurídica que prestava serviços a bancos e financeiras na modalidade de alienação fiduciária. Certa vez, um homem teve seu veículo apreendido por atraso de pagamento e veio quitar a sua dívida usando roupas puídas e sujas de graxa (ele era mecânico). E o mais impressionante é que ele trouxe o dinheiro num saco de papel de supermercado. Achando isso muito perigoso, lhe perguntei se ele não temia ser assaltado. Ao que me respondeu: “Quem pensaria que uma pessoa vestida como eu teria todo esse valor num saco de papel amassado?”. Isso me remeteu à comparação que Paulo fez entre nós e os vasos de barro.
Em seus dias, os homens costumavam colocar pequenas fortunas em singelos vasos de barro para ludibriar os bandidos.
E assim somos nós, talvez não tão bonitos e perfeitos por fora, mas contendo em nós um tesouro inestimável: A Graça do Senhor Jesus. A eternidade se esconde na simplicidade.
Assim sendo, devemos entender que o que dignifica o vaso não é o seu exterior, mas sim o seu conteúdo.
Nós, o povo de Deus, podemos ser pessoas simples, fracas e sem prerrogativas aos olhos humanos, mas, tendo em nós esse tesouro, somos vasos de honra. O recipiente é perecível, mas o seu conteúdo é eterno. Os traumas e limitações podem nos lembrar de que somos vasos de barro perecíveis. Mas a graça que habita em nós atesta que não somos somente isso. Apesar de nossas fraquezas, somos filhos de Deus (João 1.12).
Beleza sem verdade é ilusão e imagem sem essência é fraude. De que adianta parecermos bonitos por fora, quando nosso interior está repleto de futilidades?
Tudo isso deve nos trazer algumas reflexões:
Que tipo de vaso eu sou? Qual o meu conteúdo? Será que estou me enganando com o verniz da religiosidade? O que sou quando estou no secreto? O que transborda de mim é o verdadeiro Evangelho ou somente futilidades? Jesus é o tesouro que habita em mim?
Como um tesouro inestimável escondido em vasos de barro, Deus “escondeu” a Sua Graça em almas frágeis para Sua Glória.
Mesmo quando nos sentimos pequenos ou quebrados, há um conteúdo eterno que nos redime e redefine. Deus não se encanta com o brilho do vaso, mas com o perfume que exala dele quando se quebra em adoração. Somos vasos de barro, sim — frágeis, imperfeitos, muitas vezes rachados — mas com um conteúdo eterno que brilha mais forte quando derramamos nosso coração em adoração.
Ricardo Castro
Pastor, Doutor em Teologia, Músico
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