COMO DEUS PODE TER CRIADO A LUZ ANTES DO SOL?

  


Disse Deus: Haja luz; e houve luz. E viu Deus que a luz era boa; e fez separação entre a luz e as trevas. Chamou Deus à luz Dia e às trevas, Noite. Houve tarde e manhã, o primeiro dia.

Gênesis 1.3-5

Disse também Deus: Haja luzeiros no firmamento dos céus, para fazerem separação entre o dia e a noite; e sejam eles para sinais, para estações, para dias e anos.  E sejam para luzeiros no firmamento dos céus, para alumiar a terra. E assim se fez.  Fez Deus os dois grandes luzeiros: o maior para governar o dia, e o menor para governar a noite; e fez também as estrelas.  E os colocou no firmamento dos céus para alumiarem a terra, para governarem o dia e a noite e fazerem separação entre a luz e as trevas. E viu Deus que isso era bom. 

Gênesis 1.14-18

 

Há dias atrás, enquanto estava zapeando por uma rede social, vi um vídeo curto de um rapaz que jocosamente dizia que só tolos e cegos não veriam uma grande contradição nestes textos (em respeito ao leitor, amenizei as palavras usadas por ele). Contudo, não são apenas os céticos zombadores que levantam tais questionamentos – muitos crentes sinceros também enfrentam dúvidas legítimas.

Uma leitura apressada desses textos pode levar o leitor a conclusões equivocadas, gerando dúvidas desnecessárias sobre a coerência Bíblica.

Diante disso, pergunto: será que a Bíblia realmente não tem contradições? Como pode Deus ter feito a luz e só depois criar o sol e a lua? Será que realmente estamos sendo crédulos, cegos e manipulados por aqueles que defendem a inerrância da Bíblia?

A inerrância da Bíblia é a concepção de que ela, enquanto Palavra de Deus, é isenta de qualquer erro. E esse, na verdade, é um dos pilares da fé cristã. Essa questão da inerrância bíblica tem sido um objeto de reflexões profundas e debates acalorados por séculos. Mas, se realmente cremos que a Bíblia é a Palavra de Deus e que, portanto, é inerrante, devemos analisar esse texto com cuidado. E, analisando-o, teremos também a compreensão da soberania de Deus e da veracidade da mensagem bíblica.

Nas linhas que seguem, analisarei o texto não somente à luz da Teologia, mas também da ciência, com o objetivo de dirimir as dúvidas a respeito da Bíblia, a Palavra de Deus, regra de fé e prática do cristão.

Para podermos compreender profundamente esses textos, devemos fazer uma exegese neles. A exegese é o processo aplicado pelos estudiosos para interpretação dos textos, com o objetivo de descobrir o significado que o autor original queria dar ao texto. A principal ferramenta para isso é observar as línguas originais da Bíblia, que, no caso do Velho Testamento, é o hebraico.

O termo hebraico usado em Gênesis 1.3 é ‘or (אור), que se traduziu como “Luz”, que traz a ideia de uma forte de iluminação. Já a palavra hebraica que consta em Gênesis 1.14 é ma'orot (מאורות), que foi traduzida como “luzeiros” ou “Luminares”, que são portadores da luz. Essa distinção linguística é muito importante para compreendermos o sentido original do relato da criação em Gênesis.

A primeira coisa que entendemos aqui é que o Senhor é poderoso para criar a luz em sua forma primeva (‘or) sem a necessidade de qualquer corpo celeste físico (ma’orot). Isso, por si só, já é um forte testemunho do poder de Deus.

Contudo, ao nos aprofundarmos nestas passagens, percebemos, por meio da compreensão de outros textos da Bíblia, que este relato é ainda mais profundo.

Além da exegese, existe outra disciplina teológica que nos ajuda a compreender os textos bíblicos, a hermenêutica, a qual é a ciência da interpretação de textos. Essa disciplina tem 24 regras e uma delas diz que a Bíblia explica a própria Bíblia. Com isso, vemos que, para podermos entender alguns textos de difícil interpretação, tanto quanto se quisermos sistematizar uma doutrina bíblica, é necessário que conheçamos outros textos que falem do mesmo tema do objeto de nossa investigação. Aplicando essa regra hermenêutica ao trecho bíblico em epígrafe, encontramos diversos textos que trazem luz à questão (o leitor terá que perdoar o terrível trocadilho).

O primeiro texto que encontramos é 1ª João 1.5:

Ora, a mensagem que, da parte dele, temos ouvido e vos anunciamos é esta: que Deus é luz, e não há nele treva nenhuma. 

É interessante notar que o versículo diz que Deus “é” luz e não que Ele “possui” a luz. Corroborando com esse texto, encontramos João 1.4,5 que diz que a luz resplandece nas trevas e João 8.12, que diz que Jesus é a luz do mundo, logo, as trevas fogem dele. Também encontramos o Salmo 104.2, que metaforicamente diz que Deus se veste de luz como um manto.

Além de tudo isso, também encontramos Apocalipse 21.23:

A cidade não precisa nem do sol, nem da lua, para lhe darem claridade, pois a glória de Deus a iluminou, e o Cordeiro é a sua lâmpada.

A mesma ideia é repetida em Apocalipse 22.5, mostrando claramente que será o próprio Senhor quem iluminará a Jerusalém celestial.

Diante dessas provas incontestes, somos guiados à conclusão de que a luz (‘or) que iluminou a terra no início da Criação provinha do próprio Deus, independente da criação posterior dos luminares (ma’orot). O Senhor, sendo o Onipotente Todo-poderoso e infinito, não necessita de nenhum astro para iluminar a sua criação.

A ciência moderna também reconhece que, nos primórdios do universo, existiu luz antes da formação dos corpos celestes. Essa luz é chamada de “radiação cósmica de fundo em micro-ondas”, que seria, segundo eles, um resquício do big bang, datando de aproximadamente 380.000 anos após esse suposto fenômeno. E, também segundo eles, as primeiras estrelas só começaram a surgir entre 100 e 250 milhões de anos após o big bang. A existência dessa luz primitiva é, curiosamente, um ponto de convergência com o relato bíblico.

Mas alguns podem argumentar que o livro de Gênesis não usa termos tão abrangentes quanto as teorias científicas. Mas antes de tudo, devemos entender que Gênesis não foi escrito como um manual científico e nem se preocupa em dar uma explicação detalhada de como a Criação aconteceu, segundo os conceitos acadêmicos modernos. Seu propósito principal é, sobretudo, afirmar que foi o Senhor quem criou todas as coisas.

Alguns estudiosos, sequiosos para forçar uma concordância entre o relato bíblico e as teorias científicas, criaram a teoria chamada de “Visibilidade dos astros na atmosfera primitiva”. Essa teoria diz que os astros já existiam antes da criação do planeta Terra, que em suas eras iniciais ainda estava envolta em uma densa névoa ou povoada de gases na atmosfera que impedia visualizar os astros. Então, no quarto dia as camadas atmosféricas se dissiparam e tornaram o sol, a lua e as estrelas visíveis da Terra. Para esses estudiosos, o livro de Gênesis foi escrito segundo o ponto de vista terrestre.

Entretanto, não podemos anuir a esta teoria, pois ela carece de base bíblica, já que nos é dito claramente que os astros foram criados no quarto dia e não que a atmosfera tenha sido purificada.

Outros estudiosos com o mesmo intento de conciliar a ciência com a fé, alegam  que o relato de Gênesis não é cronológico. Essa teoria é chamada de “Hipótese da Estrutura” e preconiza que Gênesis foi escrito com uma estrutura poética. Esses estudiosos interpretam que os seus dias da criação não foram períodos literais, de 24 horas, mas sim, categorias temáticas da criação. Por exemplo, eles pensam que os dias de 1 a 3 relatam o estabelecimento dos reinos (mares e continentes) e os dias de 4 a 6 relatam o povoamento desses reinos. Eles alegam que o autor de Gênesis escreveu dessa forma porque os leitores originais não teriam a capacidade entender o relato real da criação.

Mas, apesar dessa teoria ser atraente, não podemos também concordar com ela, já que a própria ciência concorda com aordem da criação relatada em Gênesis.

Mas o relato de Gênesis sobre a criação vai além. Ele também tem o propósito de além de revelar quem é Deus e seus atributos, de reforçar a ideia do monoteísmo. Isso porque as nações vizinhas de Israel estavam cheias de mitologias atribuindo a criação do universo a diversos deuses, ou a conflitos entre entidades cósmicas. Alguns alegavam inclusive que os continentes seriam partes dos corpos de deuses que foram derrotados nesses conflitos e que os mares seriam as lágrimas de suas mulheres. E também existiam povos que cultuavam os astros como se eles mesmos fossem deuses. Dessa forma, ao apontar que o Senhor criou todas as coisas com a palavra do seu poder, o autor de Gênesis estava afirmando que Ele é o único Deus. Além disso, ao dizer que era a luz de Deus quem iluminava o planeta Terra antes da criação dos astros, Moisés (autor de Gênesis) estava exaltando a soberania dele sobre os luminares (ma’orot) que foram estabelecidos para regular dias, meses e anos, dia e noite como verdadeiros servos e não como senhores.

Dessa forma, Gênesis nos apresenta um único Deus onipotente e transcendente que criou todas as coisas de forma imediata sem nenhuma auxílio externo, apenas com a palavra do Seu poder.

O fato do primeiro capítulo de Gênesis nos apresentar um relato cronológico do caos à ordem na criação refutam os mitos de que o universo é resultado de batalhas cósmicas entre divindades.

Por fim, devo dizer que não há nenhuma discrepância em Gênesis ou em qualquer dos outros 65 livros que compõem a Bíblia. A Bíblia é a Palavra inerrante de Deus.

Vimos que até mesmo a ciência evolucionista reconhece que havia luz (‘or) primordial antes da criação dos astros (ma’orot). Isso revela que Deus é o Criador e sustentador do universo e que os luminares são apenas seus servos. A narrativa de Gênesis é uma declaração profunda da soberania e singularidade de Deus. Ele é a fonte suprema de toda a luz. E, por causa disso, Ele tem o poder de dissipar as trevas da sua vida, se por acaso você anda em trevas.

Se você tem tentado refutar Deus ou desacreditar a Bíblia, convido você a pensar melhor, diante de tudo o que foi exposto aqui. A criação não é apenas prova do poder de Deus, mas também do seu amor. Ele quer dissipar as trevas do seu coração com a Sua luz. Portanto, entregue-se a esse Deus que transforma o caos em ordem.

 

Obras  consultadas:

 Livros:  

BARNES, Albert. Notes on the Old and New Testaments. Grand Rapids: Baker Book House, 1983.

 

CHAMPLIN, Russell Norman. O Antigo Testamento Interpretado Versículo por Versículo. São Paulo: Hagnos, 2018. 5 v.

STRONG, James. Léxico Hebraico, Aramaico e Grego de Strong. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 2002.

WIERSBE, Warren W. Comentário Bíblico Expositivo. São Paulo: Geográfica Editora, 2017. 6 v.

 

 Sites:

BIBLIOTECA DO PREGADOR. Equipe Redação BP. Como explicar a existência da luz antes da criação dos luminares?. Biblioteca do Pregador, 2 jul. 2025. Disponível em: https://bibliotecadopregador.com.br/existencia-da-luz-antes-dos-luminares/. Acesso em: 2 ago. 2025.

ESCOLA BÍBLICA DO AR. MOREIRA, Erisson Machado. O 1º DIA E A LUZ ANTES DO SOL - 3ª PARTE. Escola Bíblica do Ar, 6 jun. 2022. Disponível em: https://www.ebaronline.com.br/single-post/o-1%C2%BA-dia-e-a-luz-antes-do-sol-3%C2%AA-parte. Acesso em: 2 ago. 2025.

GLOSSÁRIO BÍBLICO. Gênesis e os dias da criação: Entenda a Criação do Mundo. Glossário Bíblico. Disponível em: https://www.glossariobiblico.com.br/glossario/genesis-e-os-dias-da-criacao-entenda-a-criacao-do-mundo/. Acesso em: 2 ago. 2025.

GOT QUESTIONS. O que Deus criou no primeiro dia da criação?. GotQuestions.org/Portugues. Disponível em: https://www.gotquestions.org/Portugues/o-que-Deus-criou-no-primeiro-dia.html. Acesso em: 2 ago. 2025.

LOGOS APOLOGÉTICA. OLIVEIRA, Emerson de. Como pôde existir luz antes do sol?. Logos Apologética, 14 set. 2015. Disponível em: https://logosapologetica.com/como-pode-existir-luz-antes-do-sol/. Acesso em: 2 ago. 2025.

MONERGISMO. GRUDEM, Wayne. A Criação. Monergismo. Disponível em:https://www.monergismo.com/textos/criacao/criacao_wayne_grudem.htm. Acesso em: 2 ago. 2025.

 


 Ricardo Castro

Pastor, Doutor em Teologia, Músico

 

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