OS PERIGOS DA JUDAIZAÇÃO DA IGREJA


Uma família com uma tradição de várias gerações de cristãos está se preparando para o culto de domingo. O sentimento é um misto de alegria e expectação. Todos estão ávidos por participar de mais um culto dominical para serem instruídos com a Palavra de Deus. Eles chegam a igreja e toda a congregação parece ter o mesmo sentimento, pois todos estão sequiosos para ouvir a Palavra de Deus. Mas, à medida que o pastor sobe ao púlpito, a congregação percebe que algo está diferente. Sobre seus ombros, o pastor tem um “talit” (manto de oração judaico) e além da Bíblia, ele tem em suas mãos um “shofar” (chifre de carneiro). O pastor começa a entoar palavras em hebraico e depois sopra com toda sua força o shofar. Os irmãos também percebem que em diversas partes do folhetim da programação do culto, além da cruz há também uma imagem da estrela de Davi e do menorah (candelabro com sete braços). Os irmãos olham uns para os outros, confusos. O que está acontecendo? Por que o pastor está trazendo elementos do judaísmo para o culto cristão? A resposta é muito simples: Ele anuiu a moderna judaização do Cristianismo, e doravante, a igreja celebrará as festas do calendário judaico e adotará diversos outros elementos dessa cultura em sua liturgia e vida cotidiana.

Esse é um caso hipotético, mas tem se repetido cada vez mais em diversas denominações cristãs. Conquanto em sua maioria os pastores estejam procurando um aprofundamento espiritual, eles tem adicionado práticas judaicas nos cultos de suas igrejas. Entretanto, o que esses pastores não percebem é que inadvertidamente estão minando os fundamentos da fé cristã. E assim, o que começou como uma busca por profundidade espiritual e por raízes históricas, rapidamente se transforma em uma armadilha perigosa.

Mas, o que é judaização? É a influência de práticas, crenças e elementos judaicos no contexto cristão.

O fenômeno da judaização, contudo, não é recente pois ele surgiu no período de transição entre a antiga e a nova aliança, nos anos seminais da era apostólica. Desde o século II a igreja vem enfrentando esse problema, de tal maneira que o apóstolo Paulo dedicou boa parte de seus escritos para combater essa influência, usando a expressão “os da circuncisão”. Os judaizantes eram convertidos do judaísmo que insistiam em querer incorporar as exigências da lei judaica ao Evangelho. Esses novos crentes não se contentavam em viverem um cristianismo simples, e empregavam todos os esforços para influenciar outras pessoas a agirem da mesma forma que eles. Os judaizantes chegaram ao extremo de visitarem todas as igrejas fundadas por Paulo, para levarem esse evangelho distorcido. E isso trouxe muito trabalho ao apóstolo.

Com o crescente número de convertidos gentios (não judeus), surgiram controvérsias sobre se os gentios deveriam seguir os ditames da lei ou não. Por causa disso, alguns cristãos judeus começaram a impor uma carga de legalismo sobre os cristãos gentios. E foi essa questão conflitante que deu origem à primeira crise teológica da igreja de Cristo. O concílio de Jerusalém relatado em Atos 15 foi convocado para discutir esse problema. E a liderança da igreja concluiu que biblicamente somente a fé em Jesus Cristo é necessária para a Salvação tanto de judeus quanto de gentios. Alguns grupos radicais, no entanto, continuaram insistindo que os cristãos gentios deviam guardar a lei para pertencer à comunidade de redimidos. Dessa forma, os judaizantes representaram um grande desafio para a igreja primitiva, e suas crenças e práticas foram debatidas intensamente pelos primeiros cristãos.

Não consegui mapear o nascedouro do conceito judaizante moderno, pois existem poucas informações a esse respeito. Mas é certo que, paulatinamente, desde os anos 1990 essa influência vem entrando sutilmente na igreja. Hoje em dia existem igrejas que não adotam símbolos cristãos, mas possuem bandeiras de Israel, e outros elementos da cultura judaica como o mezuzá, menorah, tálit, kipar, shophar. E o pior, fazem réplicas da Arca da Aliança, mesmo que o Senhor tenha dito que ela deveria ser esquecida (Jeremias 3:16).

Entretanto, alguns podem discordar de mim, dizendo que adotar práticas judaicas não prejudica o cristianismo. Esses indivíduos estão divididos em dois grupos. O primeiro acredita que os elementos incorporados ao culto cristão são simplesmente uma celebração das raízes de onde surgiu o cristianismo. O segundo e maior grupo defende que a inclusão desses elementos representa uma imersão em uma profundidade espiritual e profética, reservada apenas para aqueles que se submetem a essa prática.

Considerando tudo isso, é muito importante que reflitamos sobre se essas práticas prejudicam o cristianismo. E, sem embargo, minha resposta é sim, e a seguir apresento as razões para essa afirmação.

O primeiro malefício é o legalismo excessivo. A ênfase em rituais, cerimônias e tradições judaicas obscurece a graça salvadora de Jesus. É certo que Jesus não veio para abolir a lei (Mateus 5:17,18), mas para trazer o seu sentido real. Em seu ministério terreno, Jesus fez mais de 150 alusões diretas e indiretas à Lei e os Profetas, bem como também centenas de profecias foram cumpridas pelo ministério terreno dele. Mas, tudo o que foi Escrito no Velho Testamento encontrou em Jesus o seu cumprimento (Romanos 10:4; 2ª Coríntios 1:20). Sem falar que na ocasião da morte de Jesus o véu se rasgou de alto a baixo, mostrando que todas as cerimônias e rituais judaicos se tornaram obsoletos, pois não há mais separação entre Deus e os homens.

Contudo, devo dizer que as leis morais do Velho Testamento continuam vigentes, mas todas as leis cerimoniais já não são necessárias na nova aliança. E se revivermos essas leis, certamente estaremos obscurecendo a graça salvadora do Senhor Jesus.

Porque ninguém será justificado diante dele pelas obras da lei. (Romanos 3:20).

O segundo malefício é a desvalorização da graça. A incorporação de elementos judaicos no cristianismo instiga a busca por méritos próprios, o que diminui a importância da graça de Deus (Gálatas 5:4). É crucial compreender que, na antiga aliança, os homens praticavam uma religiosidade fundamentada em méritos. Ou seja, eles ofereciam o melhor de suas colheitas e rebanhos para aplacar a ira de Deus e obter o seu favor. Porém, na nova aliança, o sacrifício de Jesus trouxe a graça, a qual é o favor imerecido de Deus para nós. Trocando em miúdos, a graça é tudo o que não merecemos, mas que recebemos por meio de Jesus. Portanto, na dispensação da graça, o favor de Deus não é obtido por nossas próprias ações, mas sim pelo que Cristo realizou em nosso favor. Reviver o culto judaico, portanto, é desvalorizar a graça.

Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus. (Efésios 2:8,9).

O terceiro malefício é a confusão teológica. O que, de fato, é essencial? Somos salvos pela fé em Cristo ou pela observância dos rituais judaicos? Essas são algumas das questões que surgem quando há um amalgama do cristianismo e judaísmo. E, certamente, muitos passam a impor essas práticas como sendo coisas essenciais para quem quer ter um aprofundamento espiritual e conseguir mais graça, fazendo com que as pessoas se submetam a jugos pesadíssimos e desnecessários (Atos 15:10). Sem falar que alguns dos que anuíram às práticas judaicas beiram o fanatismo, fazendo com que o culto cristão se torne em uma bizarrisse litúrgica, porque ao passo que celebram a Ceia do Senhor, trazem réplicas da Arca da Aliança para serem tocadas pelos cristãos, o shofar é tocado com um “ato profético” para a batalha espiritual, e palavras hebraicas, que são incompreensíveis para os cristãos medianos são recitadas nos cultos, etc.

E um dos maiores malefícios dessa prática é o desvio do foco do relacionamento pessoal com Cristo. A multidão de cerimônias e rituais faz com que o indivíduo foque neles em vez de manter um relacionamento pessoal com o Salvador. E mais uma vez devo citar o fato do véu do templo ter sido rasgado. Aquele véu representava a separação do homem com Deus e o fato dele ter sido rasgado de alto a baixo mostra que foi o próprio Deus quem desfez essa separação por meio da Morte de Jesus. Agora, quando Deus olha para nós, não vê nossos méritos, mas os méritos de Jesus em nós.

Afirmo, porém, que não estou tentando de forma alguma minimizar a importância do povo judeu. Porém, devemos ter em mente que, conquanto sejam o povo escolhido de Deus, eles ainda não receberam Jesus como o Messias e que só o farão na segunda metade da grande tribulação. Assim, entendemos que Deus tem um plano e uma maneira específica de tratar com eles. Mas também tem uma maneira específica de tratar com a igreja, Sua Noiva.

Embora compartilhem raízes históricas, o judaísmo e o cristianismo possuem diferenças fundamentais em relação a diversos pontos teológico e litúrgico. E não podemos negar que judaização do Evangelho afeta diretamente a identidade cristã, transformando o cristianismo em um sistema amorfo e sem vida, sem uma mensagem central e confuso quanto ao seu meio da graça.

Concluo dizendo que, conquanto os judeus são o povo escolhido de Deus e que sua importância histórica é incontestável, somos a igreja do Deus vivo, a coluna e o baluarte da verdade (1ª Timóteo 3:15). Assim, reviver as práticas judaicas é um retrocesso perigoso e que, com certeza desagrada ao Senhor Jesus. E encerro fazendo coro com as Palavras do apóstolo Paulo:

Mas temo que, assim como a serpente enganou Eva com a sua astúcia, assim também sejam de alguma sorte corrompidos os vossos sentidos, e se apartem da simplicidade que há em Cristo. (2ª Coríntios 11:3)


Ricardo Castro
Pastor, escritor e músico

Comentários

  1. Excelente artigo pastor. Um artigo bem pertinente ao que estamos vivendo em nossos dias.

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  2. Gostei muito do texto, e com certeza, cristianismo e judaísmo não são sinônimos

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  3. Graça e Paz.

    Texto fluido e esclarecedor como sempre.
    Deus te abençoe sempre.

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