CRISTIANISMO DE VITRINE: BARBAS, HIPOCRISIA E EVANGELHO RASTEIRO
Recebi Jesus em julho de 1992 e uma igreja pentecostal que é uma potência mundial.
Aqueles dias seminais foram importantíssimos para mim e marcaram a minha vida. Aprendi as primeiras lições práticas de cristianismo e conheci grandes homens e mulheres de Deus. Entretanto, pude observar uma prática que a princípio achei inofensiva, mas com o passar do tempo e com a aquisição de conhecimento bíblico, comprovei ser extremamente nociva. É a prática de “discipular” de fora para dentro.
Antes que você pense que estou falando besteira, explicarei.
O “Discipulado” de fora para dentro é a prática de ensinar ao novo convertido que, antes de tudo, ele deve mudar o seu exterior. Ou seja, ele deve vestir-se da maneira certa, cortar o cabelo no cumprimento certo, falar os jargões usados por todos, comportar-se como os demais, etc. Aqui e ali, fala-se da mudança interior e do novo nascimento, mas, na prática, a transformação que se exige é exterior. E o resultado disso é uma geração de cristãos nominais, religiosos, legalistas, mas que, na prática, continuam ardilosos, fofoqueiros, traidores, violentos, etc.
Mas não pense você que essa era uma prática somente do início dos anos 1990. Ela iniciou-se em tempos idos e permanece até hoje.
Dias atrás, vi nas redes sociais um recorte de um vídeo do pastor presidente nacional de uma mega denominação proibindo os homens de usar barba. E para isso, ele chegou a utilizar dois textos bíblicos (retirados de seus devidos contextos). Seria cômico se não fosse trágico.
Mas esse fato corrobora com o meu argumento: o discipulado de fora para dentro ainda é uma prática amplamente difundida.
É de causar estranheza que esse líder religioso se preocupe com a aparência das pessoas, mas finja que não veja os constantes escândalos preconizados por pastores e membros de sua própria igreja. Só o fato de o próprio presidente estar há 45 anos no cargo, mesmo diante do ciclo eleitoral quadriênio, já é um grande escândalo devido à evidência de tráfico de influência e despotismo.
Além disso, diariamente nos deparamos com pessoas que foram discipuladas de fora para dentro, que causam problemas imensos por onde quer que passem. Isso fez com que a igreja evangélica seja uma das três instituições mais desprestigiadas pelo povo brasileiro, fazendo cumprir Mateus 24:12:
E, por se multiplicar a
iniquidade, o amor de muitos esfriará.
Jesus falou a respeito do discipulado de fora para dentro quando chamou os religiosos hipócritas de “sepulcros caiados” (Mateus 23:27-28), que possui uma beleza exterior, mas corrupção no interior.
Diante disso, devemos nos perguntar qual é o discipulado verdadeiro, o que é de dentro para fora.
Bom, antes de tudo, devemos entender que a verdadeira transformação é no interior, para que só depois, desemboque no exterior. Isso porque foi Jesus quem disse que o que sai do coração é que contamina o homem e não o inverso (Mateus 15:18,19).
Como um ensinador cristão, não posso me furtar de alertar que há riscos letais em ignorar o discipulado de dentro para fora. E o maior deles, acredito, é a espiritualidade superficial, de aparência, que gera crentes críticos, ácidos, legalistas. Eles são como o solo rochoso da parábola do semeador de Mateus 13:20,21, o qual é impenetrável pela Palavra de Deus, apesar de seu exterior estar religiosamente trabalhado. Esse tipo de religioso legalista, via de regra, é impiedoso com quem não segue seus padrões e seus líderes exigem uma perfeição externa e religiosa sem, contudo, oferecer a graça. Eles não veem problema nenhum em esmagar qualquer um que se lhe oponha e não se submetam à sua espiritualidade de vitrine. Outra das práticas desses religiosos é a hipocrisia em condenar pecados publicamente e cometê-los na vida privada. Mas como hoje a vida não é tão privada como há dez anos, essas práticas acabam vindo à luz e os religiosos, antes impiedosos, descobertos, clamam por misericórdia.
Mas, não posso encerrar esse texto sem antes oferecer o caminho do evangelho para essa situação.
O discipulado verdadeiro, de dentro para fora, é exercido primeiramente com um arrependimento verdadeiro (Salmos 51:17), em contrapartida ao arrependimento de lábios de hoje em dia, o qual é desprovido da transformação gerada pelo Espírito Santo.
O discipulado verdadeiro ensina ao novo crente a realizar um autoexame constante e diário para ajustar condutas erráticas e falhas ocasionais (2ª Coríntios 13:5), em contraste do encobertamento de pecados, tão comum hoje.
Nesse processo de discipulado de dentro para fora, a oração e meditação nas Escrituras são de importância fundamental, já que é na Bíblia que aprendemos a ser cristãos de verdade e a oração estreita nosso relacionamento com Deus.
Mas infelizmente, aqueles que foram discipulados de fora para dentro usam a oração como um distintivo de sua espiritualidade (inexistente), expondo o longo tempo que passa de joelhos e seu português refinado quando se dirige à Divindade. Isso me faz lembrar da oração do fariseu da parábola do Fariseu e do Publicano, contada por Jesus em Lucas 18:9-14. E o uso que eles fazem das Escrituras é mais para impor suas opiniões do que para perscrutar o verdadeiro sentido da Palavra, olvidando totalmente do seu contexto remoto e imediato.
E, por fim, a igreja também tem um papel preponderante no discipulado verdadeiro, preferindo um ensinamento não para a aparência ser prezada, mas que a santidade (verdadeira), a integridade e, sobretudo, o relacionamento íntimo com Deus, sejam a busca constante de todos os cristãos.
A confrontação do pecado e suas consequências, bem como o exercício da disciplina amorosa e curativa, é também responsabilidade da igreja e dos seus líderes. E, além disso, em contraste com o show pirotécnico das boas ações, a igreja deve incentivar o serviço discreto e abnegado (Mateus 6:3-4).
Reitero que o Senhor não se interessa pelo exterior, como no uso da barba (1ª Samuel 16:7), ainda que o verdadeiro cristão, trabalhado de dentro para fora pelo Espírito Santo, manterá uma conduta ilibada. O que chama a atenção de Deus, na realidade, é um coração humilde e quebrantado que gera um proceder modesto e santo.
A verdadeira adoração não é externa, mas sim, em espírito e em verdade, e são esses que o Pai procura (João 4:23,24) e não os legalistas sentados em seus tronos denominacionais e idolatrados pelos néscios.
Encerro este texto perguntando a você, caro leitor, se o seu cristianismo está moldando seu caráter ou apenas o seu exterior. Se a segunda opção for a sua realidade, é tempo de entregar-se ao Espírito Santo para que haja uma transformação verdadeira de dentro para fora.
Dar-vos-ei
coração novo e porei dentro de vós espírito novo; tirarei de vós o coração de
pedra e vos darei coração de carne. Porei dentro de vós o meu Espírito e farei
que andeis nos meus estatutos, guardeis os meus juízos e os observeis. Ezequiel
36:26,27
Ricardo Castro
Pastor, doutor em Teologia, músico
Bom dia Pr Ricardo!!
ResponderExcluirGostei da observação a respeito do cristão superficial, pois nos alerta para alinhar a nossa conduta cristã. Alinhando com aquilo que diz é preciso morrer para o mundo e viver para Cristo.